Qual o peso de diferenças sociais no uso de serviços de saúde? A resposta, certamente, irá mudar de um País para outro e é possível encontrar iniquidades dentro de uma mesma região do Brasil, mas, de modo, geral, ela é bem elevada. Mais do que nós esperávamos.
A pesquisa Consumer Social Determinants of Health Survey, realizada pela McKinsey, ouviu mais de 2 mil residentes nos Estados Unidos que contavam com algum tipo de cobertura de serviços de saúde não ofertada pelo empregador e constatou que 53% dos respondentes são impactados por ao menos uma iniquidade social. São problemas como segurança na comunidade onde vivem, habitação, suporte social, alimentação e mesmo transporte.
Entre eles, a insegurança alimentar é a que impacta o maior porcentual de pessoas, 35% dos entrevistados, seguida pela questão da segurança na comunidade, apontada como um problema por 25% das pessoas ouvidas. Entre os temas levantados, o que impacta menos indivíduos é o transporte. Apenas 15% dos entrevistados afirmam que esse é um ponto determinante para o uso de serviços de saúde.
Por outro lado, necessidades relacionadas ao transporte, inclusive em questões como a dificuldade para chegar em exames e consultas podem fazer com que um beneficiário de plano de saúde tenha 2,6 vezes mais chances de ser internado do que outro que não tem esses problemas. A insegurança alimentar pode aumentar em 2,4 vezes a probabilidade de internação e a falta de segurança na comunidade onde a pessoa vive, 3,2 vezes.
Por fim, a pesquisa ainda aponta que pessoas com necessidade sociais tem mais chance de apresentar problemas de saúde física e mental e maior utilização de serviços de saúde em relação aos que não têm esses problemas sociais.
Má alimentação, atividades físicas inadequadas e sedentarismo são fatores determinantes para excesso de peso e obesidade. Como já apontamos aqui, há uma série de fatores que influenciam nos hábitos de vida, alimentares e de consumo. Além disso, eses comportamentos também resultam em doenças crônicas se não houver acompanhamento médico adequado.
Como já alertamos em diferentes momentos, a incidência e prevalência de doenças crônicas tem aumentado nas últimas décadas em todo o mundo por conta de diferentes razões. O estudo Physical Activity and Sedentary Behaviours: Analysis of trends, inequalities and clustering in selected OECD countries (Dieta, Atividade Física e comportamentos sedentários: análise de tendências, desigualdades e agrupamento em países da OCDE selecionados), publicado na 21ª edição do Boletim Científico analisa o perfil e a rotina das pessoas que fazem parte deste grupo a fim de oferecer condições para melhorar a saúde desses indivíduos.
O trabalho foi conduzido por meio de dados disponíveis de outras pesquisas e também de entrevistas individuais sobre o estado de saúde, e revelou que o consumo de frutas e vegetais é baixo nos onze países selecionados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - raramente atinge 40% do consumo individual. Entretanto, a qualidade da dieta pode ser melhorada já que Chile e Espanha apresentam bons resultados neste quesito.
Quanto à frequência das atividades físicas, mais de 50% dos indivíduos analisados alcançaram o objetivo proposto pela Organização Mundial da Saúde. Um resultado chama a atenção na pesquisa: as desigualdades na educação e no status socioeconômico ficaram evidentes para todos os comportamentos de saúde analisados. Aqueles que possuem nível socioeconômico superior têm alimentação mais saudável e rotina de exercícios adequada para o dia a dia.
Portanto, fica clara a necessidade de políticas e ações voltadas especificamente para populações de baixa renda para a garantia de promoção e prevenção de saúde a todos os indivíduos.
Em breve, abordaremos outros trabalhos da 21º edição do Boletim Científico. Fique ligado!
O Brasil inicia o Século XXI encarando expectativas otimistas de crescimento econômico, enfrenta suas históricas mazelas e prepara-se, agora sediando uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, para buscar uma seleta vaga no clube dos países desenvolvidos.
Apesar dos avanços, observamos com preocupação o desafio de garantir sucesso nas políticas sociais. Entre estes, citamos a obrigação do Estado em garantir o acesso universal e gratuito à saúde (art. 196 - Constituição Federal). Os desafios neste setor, de saúde pública, são notórios.
Neste contexto é que se insere a saúde suplementar que desempenha, cada vez mais, papel relevante na sociedade brasileira, atendendo mais de 41 milhões de cidadãos. Pelo fato de garantir direito essencial, o acesso à saúde, este setor demanda regras de segurança jurídica em virtude da perpetuidade das relações emanadas de seus contratos, já que milhares de beneficiários estão vinculados a eles há muitos anos, e assim pretendem permanecer.
Assim sendo, é importante mencionar também como peça fundamental no desenvolvimento econômico e social, nossa estrutura jurídico-constitucional. Amparada em uma legislação moderna, mas complexa, que acaba permitindo ampla liberdade de interpretação.
Observamos recentes decisões de tribunais estaduais, e também, ainda que incipientes, decisões de membros do STJ que, de forma preocupante, flexibilizam o princípio da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito. Tal flexibilização ocorre quando se confunde, concessa venia, o conceito da irretroatividade da lei (art. 5º, inciso XXXVI da CF), e aplica-se lei nova na solução de conflitos embasados em atos e negócios jurídicos perfeitos e acabados.
Eminentes magistrados defensores desta tese interpretam que há distinção na garantia do ato jurídico perfeito e na aplicação imediata da lei nova sobre tais atos, entendendo em tal circunstância não haver ofensa à referida garantia constitucional. Citam renomado jurista francês, P. Roubier, olvidando-se que a garantia ao ato jurídico perfeito encontra-se, na França, fixada em lei ordinária, enquanto no Brasil, está no próprio texto constitucional, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos (gn).
A flexibilização, infelizmente, soterra brilhante decisão do STF, do Exmo. Ministro Moreira Alves, proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº000493/DF. Ali, corroborado pelos demais membros do STF, o insigne jurista clarifica, ao citar Matos Peixoto, a diferença entre retroatividade máxima, média e mínima, para concluir que as colocações de Roubier: “...são manifestamente equivocadas, pois dúvida não há de que, se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. Nesse caso, a aplicação imediata se faz, mas com efeito retroativo. Por isso mesmo, o próprio Roubier ... não pode deixar de reconhecer que, se a lei nova infirmar cláusula estipulada no contrato, ela terá efeito retroativo, porquanto, “ainda que os efeitos produzidos anteriormente à lei nova não fossem atingidos, a retroatividade seria temperada no seu efeito, não deixando, porém, de ser uma verdadeira retroatividade”.
O Exmo Ministro ainda menciona: “Aliás, no Brasil, sendo o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não tem sentido a afirmação de muitos – apegados ao direito de países em que o preceito é de origem meramente legal – de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, e isso porque, se se alteram os efeitos, é obvio que se está introduzindo modificação na causa, o que é vedado constitucionalmente (gn).”
O STF tem sido rigoroso na defesa do princípio da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada material, e do direito adquirido. Essa é a postura exigida pelos princípios constitucionais emanados de nossa carta democrática.
Em que pese a sabedoria da nossa corte suprema, observam-se decisões judiciais em instâncias inferiores, muitas vezes em sede de antecipação de tutela, nas quais a equivocada interpretação da aplicação dos efeitos imediatos da lei viola frontalmente contratos perfeitos e acabados. É o caso do incipiente entendimento da aplicação do Estatuto do Idoso aos contratos de operadoras de planos de saúde firmados antes de sua vigência. Tal interpretação, concessa venia, equivocada, soterra por completo o equilíbrio econômico e atuarial destes contratos, gerando insegurança jurídica e imprevisibilidade, e colocando em risco a sustentabilidade do setor.
É fácil e encantador o discurso, quando se direciona a quebra de importantes princípios para, supostamente, “proteger direitos” do consumidor.
O avanço tecnológico, a globalização e a velocidade das mudanças na sociedade moderna geram incertezas. Neste cenário, o direito deve gerar segurança e previsibilidade. São estes, em última instância, os objetivos que justificam a presença do Estado, e são estas as premissas básicas para o desenvolvimento de uma sociedade justa e fraterna, na qual os direitos sociais, aliados ao desenvolvimento econômico, poderão, finalmente, um dia, serem alcançados por toda a sociedade, sem exceções. Está lançado o desafio.
Autor: Carlos Ernesto Henningsen - Advogado pela PUC/RJ e Coordenador da Comissão Jurídica do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).