Posse, prevalência, características e os diferentes impactos das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) sempre voltam ao debate dos diversos setores de saúde. Periodicamente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulga quais são as prioridades em sua agenda futura e, há um tempo, destaca-se o controle desse problema. Para conter seu avanço, o órgão propõe atuar junto aos governos a fim de atingir a meta global de redução em 15% da inatividade física até 2030, o que pode ser feito por meio de implantações de políticas públicas que incentivem a prática de exercícios diários.
Para se ter uma ideia, a entidade estima que as DCNT sejam responsáveis por cerca de 38 milhões de mortes anuais, sendo que 16 milhões corresponderiam às mortes prematuras, antes dos 70 anos de idade, constituindo o maior problema de saúde em todo o mundo. Sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, má alimentação e poluição do ar são os fatores de risco que impulsionam o crescimento da incidência das doenças crônicas – também segundo a entidade.
Mas e a saúde suplementar? No Estados Unidos, a manutenção de um seguro saúde é frequentemente associada com melhores resultados em relação ao controle dessas doenças pela maior oferta dos serviços ambulatoriais, incluindo detecção e monitoramento de doenças, terapias e medicamentos.
O estudo “Is insurance instability associated with hypertension outcomes and does this vary by race/ ethnicity?” (A instabilidade em relação à posse de seguro saúde está associada aos resultados de hipertensão e varia de acordo com a raça / etnia?) publicado na última edição do Boletim Científico pretendeu avaliar se a instabilidade na posse do seguro de saúde está associada aos resultados de pressão arterial. Também verificou se essa associação varia de acordo com raça e etnia dos pacientes.
A estabilidade na posse do seguro de saúde (aqueles que não ficaram sem cobertura durante o período analisado) foi positivamente associada com melhores resultados da pressão arterial no caso dos negros. Perder ou contratar o benefício ou estar sem ele em um intervalo de 6 meses foram relacionados com maiores chances de pressão arterial elevada, em comparação com aqueles com seguro privado estável.
No entanto, os pacientes negros também apresentaram taxas significativamente mais altas de pressão arterial mesmo quando passaram a contar com o seguro de saúde. Além disso, estar sem o benefício não foi significativamente associado à condição da pressão arterial para hispânicos, asiáticos ou brancos.
Os pesquisadores concluíram que a estabilidade na posse de seguro de saúde por si só não é suficiente para controlar a pressão arterial em todas as pessoas, pois a interação entre essa variável e raça não foi significativa para todas as raças. No caso dos negros, no entanto, o artigo conclui que as políticas que possibilitem a estabilidade do seguro de saúde possam ser benéficas para o controle da doença.
Veja outros detalhes desse e de outros estudos na última edição do Boletim Científico.
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A discussão acerca do Obamacare não é de hoje e muito se falou de seus erros e acertos nos últimos anos, em especial com a mudança na gestão nos EUA e o primeiro ano do governo Trump. Já repercutimos este tema aqui, apontando o impacto do “Affordable Care Act” – nome oficial da Lei que instituiu o programa – sobre o setor de planos de saúde.
Para contextualizar, nos Estados Unidos, o sistema de saúde público não é universal. O governo fornece assistência à saúde apenas para pessoas de baixa renda por meio do programa Medicaid, e para as pessoas a partir de 65 anos pelo Medicare. A população não coberta por esses dois programas precisa contratar plano de saúde. No entanto, os EUA possuem os serviços de saúde mais caros do planeta.
O trabalho “Medicaid Expansion Produces Long-Term Impact on Insurance Coverage Rates in Community Health Centers” (A expansão do Medicaid apresentou impacto de longo prazo nas taxas de cobertura dos seguros saúde nos postos de saúde) publicado na 19º edição do Boletim Científico comparou dados dos Estados que adotaram o programa para verificar se houve aumento da taxa de consultas e acesso aos serviços de saúde em relação aos que não adotaram.
O artigo analisou dados de saúde de 875.571 pacientes de 19 a 64 anos, no período de 2012 a 2015, em 412 serviços de atenção primária à saúde nos Postos de Saúde (Community Health Centers). Foram analisados dados de 13 Estados norte-americanos, sendo 9 que incorporaram a ACA e 4 que não incorporaram essa política de saúde.
Para os Estados que aderiram, a nova política ajudou na expansão de planos voltados ao Medicaid, garantindo maior acesso para a população que não possuía planos de saúde. Já nos que não aderiram, a cobertura de serviços de saúde pelo Medicaid não apresentou o mesmo desempenho.
A conclusão do trabalho é de que apenas expandir o acesso de planos de saúde privado não é eficaz se, conjuntamente, não houver a expansão do acesso ao Medicaid (direcionado à população mais carente).
A análise “Does paid versus unpaid supplementary caregiving matter in preventable readmissions?” (“Cuidadores pagos e não pagos são importantes em readmissões preveníveis”) publicada no 18º Boletim Científico discute impactos desse tipo de assistência em relação às readmissões evitáveis de pacientes com diabetes do Medicare.
Nos Estados Unidos, cerca de 3,4 milhões de beneficiários de saúde do Medicare recebem serviços profissionais de home care financiados pelo governo. Estudos com base em pesquisas de larga escala constataram que 83,4% dos beneficiários recebem cuidados extras por cuidadores informais, que podem ser pagos por (desembolso direto ou por programas governamentais como o Medicaid) ou não remunerados (como membros da família, parentes e/ou amigos).
A análise chegou à conclusão de que os beneficiários com diabetes e cuidadores informais remunerados tinham risco 68% maior de readmissão por conta de infecções do trato urinário do que os com cuidadores informais não pagos.
Um dos processos que vem sendo implementados no programa Medicare é a compra baseada em valor, com penalização das agências com má qualidade nos serviços de cuidados domiciliares. As políticas que apoiam os cuidadores não remunerados são fundamentais para ajudá-los a cuidarem dos seus entes queridos e impedir que usem recursos hospitalares caros.
Quando tratamos de saúde, descobrimos, infelizmente, que erros acontecem, assim como em qualquer outra área. Já destacamos, aqui no Blog, o estudo "Erros acontecem: A força da transparência no enfrentamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados", apontando que a cada três minutos, mais de dois brasileiros (2,47, exatamente) morrem em um hospital do sistema público ou privado em consequência de um evento adverso.
No mesmo estudo, apontamos que a partir de 2008, o CMS – órgão responsável pela administração do Medicare e Medicaid nos Estados Unidos – vetou o pagamento aos prestadores de serviço de saúde onde ocorreram eventos adversos que levaram a certas condições após a admissão na internação. As condições adversas que o CMS verificou nesses hospitais são: lesão por pressão, quedas e traumas, infecção associada à sonda vesical e infecção de corrente sanguínea associada à cateter venoso central.
Um levantamento recente, aferido pelo Castlight Health’s Analysis com base nos dados do The Leapfrog Group – instituição que já apresentamos aqui no Blog – demonstra que essa medida está gerando resultados. Apesar de apenas 35% dos mais de 1.800 hospitais avaliados terem alcançado a meta de nenhum caso de lesão por pressão em decorrência de eventos adversos, os números apontam uma redução entre 16% e 20% no total dos casos adquiridos após a entrada em hospital entre 2013 e 2016.
Dados do The Leapfrog Group ainda indicam que casos de iatrogenia acontecem em uma a cada seis admissões hospitalares e matam pelo menos 500 pessoas por dia nos Estados Unidos.
Os resultados nos mostram, claramente, duas coisas. Primeiro, que precisamos urgentemente mudar nosso modelo de remuneração por outro que permita punir desperdícios, ao invés de remunerá-los; não só para reduzirmos custos desnecessários, mas também para servir de ferramenta de incentivo à melhora na qualidade assistencial. E segundo, que já passou da hora de criarmos ferramentas de coleta, análise e divulgação de dados de qualidade assistencial e segurança do paciente. Enquanto não dermos esses passos, vamos continuar a operar no escuro.
O aumento da inflação médica continua sendo uma preocupação tanto para os governos quanto para as empresas no mundo todo, conforme mostramos recentemente no TD 64 – Fatores associados ao nível de gasto com saúde: a importância do modelo de pagamento hospitalar.
Para lidar com esse aumento, uma das alternativas é a mudança do modelo de pagamento de conta aberta, adotado hoje no Brasil, para outro que puna os desperdicios e recompense a performance e o desfecho clínico. Como mostramos aqui no blog nos dias 31/7, 1/8, 2/8, 3/8 E 4/8.
Outra solução é pensar em novos produtos para a saúde suplementar, como os que apresentamos ano passado, nos dias 22/8, 23/8, 24/8, 25/8 e 26/8, ou Seguro de Saúde Baseado em Valor (SSBV), que vem apresentando bons resultados nos Estados Unidos, como mostramos no TD 65 - Seguro de Saúde Baseado em Valor: conceitos e evidências no sistema de saúde norteamericano.
Nos próximos dias vamos explicar melhor como funciona o SSBV. Não perca. Fique ligado!
Nós já apontamos aqui, no Blog, que o estresse ocupacional é um dos maiores problemas de saúde no mundo, diretamente ligado a sete das dez principais causas de morte, inclusive às doenças cardiovasculares. Também já mostramos que empresas com investimentos em políticas de bem-estar e de promoção da saúde apresentaram crescimento cerca de 5% superior quando comparadas a outras e listamos soluções e propostas para tornar essas práticas rotina em organizações de todos os portes.
Agora, o estudo “Medical cost analysis of a school district worksite wellness program” (apresentado na última edição do Boletim Científico com o título “Uma análise dos custos médicos no programa de promoção a saúde no trabalho: estudo de caso com professores em um distrito escolar), mostra que, além desses benefícios, programas de promoção da saúde podem representar uma redução efetiva e significativa dos gastos com saúde.
De acordo com o estudo, os participantes de programas de promoção da saúde gastam cerca de 5% a menos com saúde. O levantamento acompanhou aproximadamente 2,5 mil professores nos Estados Unidos entre 2009 e 2014 e revelou os gastos em saúde por participantes do programa de promoção da saúde foi de US$ 795,2 entre 2011 e 2012; US$ 800,2 de 2012 a 2013 e, US$ 753,4 no biênio 2013-2014. No entanto, para aqueles que não aderiram ao programa, os gastos médios em saúde foram de US$ 824,2 entre 2011 e 2012 (+3,6%); US$ 832,4 de 2012 a 2013 (+4%); e, US$ 816,8 no biênio 2013-2014 (+8,4%). O que significa que os participantes que aderiram ao programa apresentaram uma melhora na qualidade de vida e mudaram o seu comportamento na utilização dos serviços de saúde.
Outra importante relação captada pelo estudo foi a proporção entre os gatos da empresa com o programa de promoção da saúde e sua economia em gastos com saúde de seus beneficiários. No total, durante o período de seis anos, o programa apresentou um custo de US$ 1,4 milhão mas que gerou uma economia na área de gastos em saúde para empresa de US$ 3,6 milhões. O que significa que para cada US$1 investido em promoção, a empresa deixou de gastar US$2,56.
Além da economia de recursos, é preciso considerar, também, que há um ganho de produtividade, com colaboradores mais dispostos e com mais qualidade de vida. O que é bom para todos.
Muito está se dizendo a respeito da reforma da saúde aprovada recentemente pelos Estados Unidos. O que ela propõe? O que tem de comum e de diferente do nosso sistema? Propostas de reforma de sucessivos governos pretendiam enfrentar dois problemas: o crescimento vertiginoso das despesas per capita e a crescente fração de pessoas sem nenhum acesso aos serviços de saúde. Há décadas as despesas com saúde crescem mais rapidamente do que a inflação, os salários e o PIB. Essa escalada (de 5% do PIB, em 1960, para 17%, em 2009) sobrecarrega os orçamentos públicos (Medicare, para idosos maiores de 65 anos, e o Medicaid, para os pobres), aumenta as despesas médicas pagas do próprio bolso e encarece os planos de saúde. O resultado é o aumento do número de excluídos.
Como ocorre no Brasil, a saúde nos Estados Unidos é custeada essencialmente pelo setor privado. Os governos participam com menos de 45% do total das despesas com saúde. Na verdade, o Medicare é financiado por contribuições de empregados e empregadores incidentes sobre os salários. Apenas o Medicaid é por impostos. O Estado americano escolheu atender os idosos e os pobres. Quem não é elegível aos programas públicos nem tem plano de saúde, paga do bolso ou fica sem atendimento, o que se mostra coerente com a filosofia individualista dessa sociedade, em contraste com a visão de solidariedade que prevalece na comunidade europeia. O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro se inspira nos modelos europeus, mas sem os recursos necessários para desempenhar seu papel.
Nos Estados Unidos, até agora o seguro-saúde é regulado pelos Estados, com escassa regulação federal. Era o contrato de seguro-saúde que estabelecia as condições de cobertura e suas cláusulas que permitiam negar cobertura para pessoas com doenças pré-existentes, excluir segurados de altos custos, variar sem limite os preços entre as faixas etárias, fixar limites financeiros para as despesas, exigir coparticipação no pagamento dos procedimentos em valores que superavam a renda das pessoas, entre outros. Já no Brasil, a regulação, de 1998, veda todas essas limitações.
O presidente Obama, durante sua campanha, prometeu enfrentar as questões do crescimento exorbitante das despesas e a exclusão de muitos americanos dos serviços de assistência à saúde. Senado e Câmara aprovaram projetos de reforma, mas sem contemplar todos os dispositivos prometidos.
A empreitada era previsivelmente árdua, como atestado pelas inúmeras propostas rejeitadas, especialmente no que toca à contenção da escalada das despesas. É que despesas de alguns são receitas para outros e os que as perdem colocam insuperáveis obstáculos à efetivação da reforma. Assim, pouco de concreto havia nos projetos aprovados em relação à contenção dos gastos.
A lei sancionada, na verdade, acrescenta custos ao sistema de saúde na proporção em que são sobretaxados os seguros de mensalidades altas, os serviços médicos ou os materiais e medicamentos. Resta ver se poderá cumprir seu outro objetivo, que é a universalização do acesso. O projeto sancionado é passo importante nessa direção porque aumenta a linha de corte da renda que torna os pobres elegíveis ao Medicaid.
A reforma é, na verdade, a universalização do seguro-saúde privado com subsídios do governo. Entenda-se bem: não se trata da universalização do direito individual à saúde e dever do Estado, como estabelece a Constituição brasileira. Ao contrário, a lei americana fixou como dever das pessoas terem, e das empresas de oferecerem, seguro-saúde e fixou multas pelo descumprimento. Ao indivíduo capaz cabe a responsabilidade financeira por seu seguro-saúde.
A lei torna o seguro-saúde obrigatório e subsidia as mensalidades sempre que superarem certo porcentual da renda. Obriga as empresas a oferecerem planos para seus colaboradores, também com subsídios para as pequenas e multa pelo não cumprimento. Veda às seguradoras negarem cobertura em razão de doenças pré-existentes e de interromperem unilateralmente os contratos. Obriga os planos das empresas a manterem como segurados os seus aposentados. Cria uma bolsa/mercado para facilitar a aquisição do plano. Fixa limites à variação das mensalidades entre as faixas etárias. Monitora os reajustes de preços.
A nova lei de saúde americana é um avanço. No entanto, o contraste com os sistemas de saúde europeus não poderia ser maior. Na Comunidade Europeia prevalecem sistemas em que é dever do Estado prover saúde, financiada por impostos. O Brasil entende saúde como dever do Estado e direito da pessoa, a ser financiada por contribuições sociais. Como o Estado não tem conseguido cumprir adequadamente com esse dever, as pessoas escolhem, mesmo sem abdicar do seu direito constitucional, contratar planos privados de saúde.
A sociedade americana fez outra escolha ? reservou para o Estado a proteção a miseráveis e a idosos ? e responsabiliza os indivíduos por sua própria cobertura. O avanço de agora obriga as pessoas a terem seguro-saúde, o que já é uma intervenção do Estado, e adiciona mais componente estatal, que é o subsídio. O Estado americano passa a ter maior ingerência regulatória no sistema de saúde, embora ele continue privado em sua essência.
Essas são escolhas que as sociedades devem fazer. Serão determinadas por suas histórias, crenças, religiões, culturas, níveis de instrução e riqueza. Se haverá alguma que seja inequívoca e universalmente superior e venha a se sobrepor às outras é difícil dizer. Não parece que isso esteja no horizonte.
Autor: José Cechin - Superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e ex-Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social.