Por Luiz Augusto Carneiro*
Que o sistema tributário brasileiro é complexo e oneroso, bem sabe qualquer um que já se aventurou a empreender ou tem de cumprir obrigações com os fiscos. Os malfeitos do sistema se prestam também a outros desserviços. Por exemplo, o de criar condições, por conta do confuso cipoal de leis e normas, para a disseminação de conceitos errados e que se tornam verdades no consciente coletivo. Um dos mitos é o que prega a existência de renúncia fiscal pelo Estado em benefício da saúde suplementar. É hora de desmistificar essa história.
O Código Tributário Brasileiro define que o Imposto de Renda incide sobre os acréscimos patrimoniais dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas. Já que a saúde é, pela Constituição, um direito do cidadão e um dever do Estado, toda vez que o contribuinte paga por um serviço de saúde privado, visando suprir suas necessidades básicas de existência, sofre, na prática, um decréscimo patrimonial. Seja via contratação direta, seja via plano de saúde.
Isso é lógico, porque se trata de um recurso financeiro no qual se abriu mão do consumo ou do aumento de patrimônio para cumprir o que seria uma responsabilidade do Estado. Esse conceito é defendido, por exemplo, pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Sindical).
A Lei nº 9.250 diz que despe¬sas com saúde podem ser deduzidas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Muitos críticos, por ignorância ou má-fé intelectual, alegam que o Estado promove renúncia fiscal ao permitir essas deduções. A origem dessa tese advém do conceito difundido pela Secretaria da Receita Federal que classifica, no relatório “Demonstrativo dos Gastos Tributári¬os”, as despesas com dependentes (manuten¬ção da família), educação e saúde como bene¬fícios tributários (ou renúncia fiscal).
Quem conhece o assunto, caso do advogado tributarista Ricardo Lodi, demonstra que tal conceituação está errada. No portal do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (www.iess.org.br) oferecemos farto conteúdo que analisa o tema, inclusive um vídeo bastante didático do Dr. Lodi.
Junto ao erro conceitual, os críticos “esquecem” que o setor, bem como outros elos da cadeia produtiva da saúde, é expressiva fonte geradora de receitas ao erário. Trabalho produzido pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a pedido da Abramge, identificou que a saúde suplementar recolheu, diretamente, R$ 4,3 bilhões em tributos, em 2013. Outros R$ 19 bilhões adicionais vieram de tributação indireta, projeta o estudo.
Não bastassem leis para desmentir o mito, cabe ainda uma análise pragmática. De 2009 a 2012, o IESS apurou que a soma das despesas assistenciais das operadoras com beneficiários totalizou mais de R$ 263 bilhões. Além disso, R$ 12,2 bilhões foram recolhidos em tributos diretos e, de quebra, R$ 180 milhões pagos ao questionável processo de ressarcimento ao SUS. A somatória representa um alívio aos governos, entre despesas evitadas ao SUS e tributos recolhidos, da magnitude de R$ 275,3 bilhões. No mesmo período, as deduções fiscais das pessoas físicas e jurídicas com planos de saúde, no imposto de renda, somaram R$ 30,2 bilhões. Ou seja, para cada R$ 1 que o Estado teria abdicado de arrecadação, recebeu de volta R$ 9,11 da saúde suplementar. Essa verdade, se propagada por todo setor, acabará com o mito de que a saúde suplementar se beneficia de desoneração fiscal. E nem o confuso regime tributário, nem quem pretende valer-se dele para criar mitos, resistirá aos fatos.
*Superintendente executivo do IESS
Desde 2012, temos estudado quais serão os impactos do envelhecimento da população no Brasil no sistema de saúde e, de uma forma mais particular, na saúde suplementar. Fica cada vez mais claro que, se houver planejamento e adoção de medidas corretas, o ciclo de mudança demográfica do Brasil vai representar uma imensa oportunidade para a saúde suplementar evoluir. Dito de outra forma, não encarar essa transformação com as devidas reformas estruturais, novas práticas de gestão e um novo jeito de enxergar a assistência à saúde pode, na prática, representar um risco imenso para o futuro desse setor.
A grande novidade do nosso estudo, este ano, é a aferição do total de procedimentos realizados e a projeção de quanto eles serão demandados até 2030, com o termino do bônus demográfico.
De acordo com o trabalho inédito do IESS, o total de internações de beneficiários de planos de saúde médico-hospitalares com 59 anos ou mais vai crescer 105% até 2030, chegando a 4,1 milhões ao ano. Os dados do TD 57 – “Atualização das projeções para a saúde suplementar de gastos com saúde: envelhecimento populacional e os desafios para o sistema de saúde brasileiro” – alertam para a necessidade redimensionar a rede de atendimento e desenvolver ações focadas em promoção da saúde.
Destaque-se o aumento de internações para os beneficiários com 59 anos ou mais não é um fato isolado. O total de consultas, terapias e exames de beneficiários nessa faixa etária vai mais do que dobrar no período analisado. E isso é só a ponta do iceberg. O estudo aponta o crescimento da utilização desses procedimentos, embora em ritmo menor, também para os beneficiários com idade entre 19 e 58 anos.
O estudo ainda aponta que, até 2030, os planos de saúde devem contar com 59,4 milhões de vínculos e os gastos assistenciais das operadoras chegariam R$ 396,4 bilhões. Um avanço de 272,9% em comparação a 2014. A mudança, por si só, pode representar um risco para o setor, que precisará se modernizar para garantir sua sustentabilidade.
Como o rol de cobertura e procedimentos exigido das operadoras pela ANS é bastante rigoroso e o mesmo vale para a o dimensionamento da rede de cobertura, será preciso um esforço grande de investimentos para manter esse equilíbrio assistencial. Esses investimentos podem e devem ser induzidos pelas operadoras, governo e, principalmente, pelos prestadores de serviços de saúde no Brasil. Mas, por outro lado, despontam como um enorme polo de atratividade para novos interessados em investir no setor.
O estudo é amplo e motiva reflexões necessárias para entendermos como o envelhecimento populacional vai ser determinante para os rumos do setor. Questões que vamos explorar nos próximos dias. Já que, certamente, há como transformar os riscos em oportunidades.
O índice de Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCMH), que produzimos desde 2007, acaba de bater um recorde preocupante: alta de 19,3% nos 12 meses encerrados em dezembro de 2015. Desde 2011, o índice cresce continuamente acima de dois dígitos. A se manter esse padrão, o futuro do setor de saúde suplementar corre realmente sério risco.
Parece claro que as operadoras e os contratantes dos planos não têm condições de continuar absorvendo a escalada de custos nessa magnitude. O aumento da inflação da saúde superior à inflação média da economia é um fenômeno mundial, mas, como temos demonstrado em diversos estudos, assume proporções amplamente superiores no Brasil.
Basicamente, o aumento dos custos se dá pelo processo de envelhecimento populacional e pela constante incorporação de novas tecnologias, sempre mais caras do que as anteriores. Isso também acontece no mercado brasileiro, mas, aqui, a situação se agrava por fatores estruturais.
Como temos dito, o sistema brasileiro de saúde se caracteriza por um conjunto grande de falhas de mercado, sobretudo por assimetria de informações, o que provoca distorções de preços e dificuldade de comparação de qualidade e preço. Isso acontece principalmente no segmento de materiais e medicamentos e foi um dos fatores-chave a elevar os custos das internações, apurado pelo VCMH/IESS, na ordem de 10,7% no período acumulado até dezembro de 2015.
Passou do momento de o mercado de saúde suplementar rediscutir o modelo de remuneração de serviços prestados e premiar a qualidade e a eficiência, deixando de absorver a ineficiência e o desperdício. Voltaremos ao tema.