O artigo “Doentes saudáveis”, escrito pelo Dr. Drauzio Varella e publicado ontem (17/03) no jornal Folha de S. Paulo, destaca dois assuntos bastante importantes: a utilização inadequada ou desnecessária de medicamentos e a importância de programas de promoção da saúde, com foco em mudança de hábitos de vida, para o combate à doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão, obesidade e diabetes.
“Quanto mais velho fico, menos medicamentos prescrevo. Xaropes, vitaminas, antibióticos para qualquer dor de garganta causam mais efeitos indesejáveis do que benefícios. Quando se trata de receitar aqueles de uso diário pelo resto da vida, então, penso dez vezes.” Em um mundo ideal, a afirmação de Varella deveria ser verdade para todos os médicos e, se possível, sem a necessidade de anos de experiência para chegar a esta conclusão. Infelizmente, a realidade é bem diferente.
Como já apontamos aqui, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o número de mortos em decorrência de infecções por supermicróbios pode chegar a 2,4 milhões entre 2015 e 2050. Sendo que a principal razão para o desenvolvimento desses organismos é o uso inadequado de medicamentos.
No Brasil, especialmente, é comum haver prescrição de remédios em excesso. Outro problema frequente, conforme o Dr. Daniel Neves Forte, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, relatou durante o seminário "Decisões na Saúde - Cuidados Paliativos e Nat-Jus: Iniciativas da Medicina e do Direito que geram segurança ao paciente e sustentabilidade ao sistema" é uma deficiência na formação de muitos médicos, seja para combater sintomas simples, como enjoo, ou para lidar com dores que exigiriam o uso de opioides.
Frente a este cenário, o desenvolvimento de programas de promoção da saúde com foco em mudança de hábitos e prevenção de DCNT é especialmente importante. Inclusive porque dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que essas doenças respondem por 38 milhões de óbitos anuais, sendo que 16 milhões delas corresponderiam às mortes prematuras (quando o paciente tem menos de 70 anos de idade) – saiba mais. O número é mais de duas vezes superior ao de mortes por doenças cardiovasculares, usualmente considerada a principal causa de morte no mundo.
Além disso, em seu artigo, Varella aponta que “Segundo a ADA (American Diabetes Association), como os programas dirigidos à perda de peso e mudanças no estilo de vida apresentam resultados medíocres, investir neles é ‘jogar dinheiro no fogo’. A alternativa seria adotar o tratamento medicamentoso”. Uma recomendação que implicaria passar a tratar pré-diabéticos como pacientes com a condição já adquirida e medicar, ainda de acordo com o artigo, cerca de 70 milhões a 80 milhões de americanos e perto de 1 bilhão de adultos ao redor do mundo.
Claro, tudo isso viria acompanhado de um elevado custo, já que monitores de glicose no sangue e a medicação para seu controle são muito mais caros e menos saudáveis do que passar a praticar exercícios e fazer uma reeducação alimentar, por exemplo. O oposto do que acreditamos ser o melhor caminho para pacientes e para a sustentabilidades econômico-financeira do setor de saúde (pública e privada), como temos defendido aqui no Blog.
Semana passada, aqui no Blog, analisamos os números de mortes por eventos adversos nos hospitais brasileiros: são 829 brasileiros por dia em 2016 de acordo com o primeiro Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, produzido por nós e pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Além das 302,6 mil vidas perdidas no ano passado, erros de dosagem de medicamento, desatenção durante procedimentos médicos e outros eventos adversos impactaram uma quantidade muito maior de brasileiros. Já que além dos óbitos também podem gerar sequelas, comprometendo o exercício das atividades da vida do paciente e causando sofrimento psíquico.
Isso sem contar no tempo de internação e a privação do convívio regular com parentes e amigos em decorrência dessas falhas: os pacientes com alguma condição adquirida em função de evento adverso permanecem internados por aproximadamente três vezes mais do que o tempo previsto quando foram inicialmente admitidos nos hospitais.
De acordo com dados do anuário, dos 19,1 milhões de brasileiros internados em hospitais ao longo de 2016, 1,4 milhão foram “vítimas” de ao menos um evento adverso. No mundo, de acordo com o documento, ocorrem anualmente 421 milhões de internações hospitalares e 42,7 milhões de eventos adversos.
Novamente, vale reforçar que o objetivo do estudo é promover a transparência de informações e dos indicadores de qualidade assistencial e de segurança do paciente, além de encorajar as melhorias necessárias nos serviços prestados.
Outra questão que precisa ser observada é o custo gerado por essas situações. O anuário projeta que, em 2016, os eventos adversos consumiram R$ 10,9 bilhões de recursos que poderiam ter sido melhor aplicados, apenas na saúde suplementar brasileira. Não foi possível estimar as perdas para o SUS porque os valores pagos aos hospitais se originam das Autorizações de Internações Hospitalares (AIHs) e são fixados nas contratualizações, existindo outras fontes de receita não operacionais, com enorme variação em todo o Brasil.
Claro, a preocupação aqui não é o gasto em si, mas o volume de recursos que poderiam ser alocados em investimentos no próprio setor de saúde. Afinal, como já falamos algumas vezes, os recursos da saúde são finitos e não é possível oferecer tudo, o tempo todo, para todo mundo. Aplicar os recursos de modo inteligente e sem desperdiçar com problemas que poderiam ter sido evitados é fundamental para garantir a qualidade assistencial. Principalmente frente aos desafios que se impõem a sustentabilidade do setor.