Semana passada, aqui no Blog, analisamos os números de mortes por eventos adversos nos hospitais brasileiros: são 829 brasileiros por dia em 2016 de acordo com o primeiro Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, produzido por nós e pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Além das 302,6 mil vidas perdidas no ano passado, erros de dosagem de medicamento, desatenção durante procedimentos médicos e outros eventos adversos impactaram uma quantidade muito maior de brasileiros. Já que além dos óbitos também podem gerar sequelas, comprometendo o exercício das atividades da vida do paciente e causando sofrimento psíquico.
Isso sem contar no tempo de internação e a privação do convívio regular com parentes e amigos em decorrência dessas falhas: os pacientes com alguma condição adquirida em função de evento adverso permanecem internados por aproximadamente três vezes mais do que o tempo previsto quando foram inicialmente admitidos nos hospitais.
De acordo com dados do anuário, dos 19,1 milhões de brasileiros internados em hospitais ao longo de 2016, 1,4 milhão foram “vítimas” de ao menos um evento adverso. No mundo, de acordo com o documento, ocorrem anualmente 421 milhões de internações hospitalares e 42,7 milhões de eventos adversos.
Novamente, vale reforçar que o objetivo do estudo é promover a transparência de informações e dos indicadores de qualidade assistencial e de segurança do paciente, além de encorajar as melhorias necessárias nos serviços prestados.
Outra questão que precisa ser observada é o custo gerado por essas situações. O anuário projeta que, em 2016, os eventos adversos consumiram R$ 10,9 bilhões de recursos que poderiam ter sido melhor aplicados, apenas na saúde suplementar brasileira. Não foi possível estimar as perdas para o SUS porque os valores pagos aos hospitais se originam das Autorizações de Internações Hospitalares (AIHs) e são fixados nas contratualizações, existindo outras fontes de receita não operacionais, com enorme variação em todo o Brasil.
Claro, a preocupação aqui não é o gasto em si, mas o volume de recursos que poderiam ser alocados em investimentos no próprio setor de saúde. Afinal, como já falamos algumas vezes, os recursos da saúde são finitos e não é possível oferecer tudo, o tempo todo, para todo mundo. Aplicar os recursos de modo inteligente e sem desperdiçar com problemas que poderiam ter sido evitados é fundamental para garantir a qualidade assistencial. Principalmente frente aos desafios que se impõem a sustentabilidade do setor.
Há tempos, aqui no Blog e em muitas de nossas publicações, temos apontado distorções de mercado que causam, entre outros problemas, uma variação expressiva nos preços de materiais e medicamentos. O tema foi destaque em reportagem na edição de hoje (15/12/2016) da Folha de S. Paulo sobre a variação de preços de stents coronarianos a depender da região do País, prática que pode estar ligada a condutas antiéticas ou ilegais.
Dentre as causas dessas diferenças de valores estão a falta de padronização da nomenclatura e da classificação das OPMEs; a falta de critérios para a inserção do produto para a saúde no mercado; as estruturas de custos dos produtos para a saúde; a carga tributária; e algumas das falhas de mercado no setor de produtos de saúde (competição imperfeita, oligopólio diferenciado, assimetria de informação e corrupção). Como relatado no TD 55 – "Distorções nos gastos com OPME".
Para ilustrar o caso: o custo de uma prótese de quadril pode variar entre R$ 2.282 a R$ 16.718, dependendo da região onde é comprada. Nessa formação de preço entra de tudo, passando por comissões de comercialização, sobrepreço e comissionamento aplicados por hospitais e distribuidores, tributos e até prêmios para médicos.
O estudo “A cadeia de saúde suplementar no Brasil: Avaliação de falhas no mercado e propostas de políticas”, produzido pelo Insper a nosso pedido, faz um mapeamento do funcionamento da saúde suplementar e identifica as principais falhas de mercado, abordando esses problemas em profundidade e propondo políticas para corrigir a situação.
O assunto, apesar de “espinhoso”, é fundamental para a sustentabilidade do setor de saúde suplementar e precisa ser mais debatido. Inclusive com mais posts aqui no Blog. Aguardem.
O Texto para Discussão nº 46 analisa a evolução do gasto com internações entre os anos de 2005 e 2010 para um plano de saúde com abrangência no estado de São Paulo. Foi identificado nesse estudo que os materiais respondem pelas parcelas mais expressivas do gasto hospitalar durante todo o período analisado (22,3% em 2005 e 33% em 2010), seguidos pelos medicamentos (22,1% em 2005 e 20,1% em 2010).