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Abril 2016
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Por Luiz Augusto Carneiro*

 

A exigência de que o SUS deve ser ressarcido pelas operadoras de planos de saúde sempre que beneficiários são atendidos pelo sistema público é dos temas mais polêmicos na área da saúde. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) acaba de divulgar que, desde 2000 até março passado, arrecadou e repassou ao Fundo Nacional de Saúde (FNS) cerca de R$ 1,2 bilhão em cobranças às operadoras por atendimentos realizados pelo SUS.

Não se trata, nesse espaço, de se tomar partido a favor ou contra esse ressarcimento, em defesa ou contra às operadoras. Mas entendemos que uma análise do conceito pode contribuir para a compreensão do problema e seus efeitos no setor de saúde.

Afinal, por ser beneficiário do plano, o cidadão abdicou do SUS? A Constituição Federal determina, no artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, financiada a partir da arrecadação de tributos. Logo, quem possui plano de saúde não está vetado a usar o sistema público.

O artigo 32 da Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) estabelece, porém, que as operadoras devem ressarcir ao SUS pelos atendimentos aos beneficiários. Essa legislação tem sua constitucionalidade questionada por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 1.931, de maio de 2009, ingressa pela Confederação Nacional da Saúde (CNS), até hoje em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O mérito ainda vai ser analisado.

Enquanto isso não acontece, fica a reflexão. Cidadãos e empresas recolhem tributos que financiam o Estado e, inclusive, o SUS. Isso é obrigatório.

Por opção, as pessoas físicas e jurídicas contratam os planos de saúde e, majoritariamente, os beneficiários deixam de demandar o atendimento do SUS. Basta ver o noticiário farto que, por conta da crise econômica e diante da queda do total de beneficiários, aumentou a demanda pelos serviços públicos de saúde. Por não ser substitutiva, a saúde suplementar é uma sobreposição de cobertura no sistema de saúde, paga em duplicidade pelo contratante/contribuinte.

O valor ressarcido ao SUS é contabilizado nos custos de cada operadora. Por extensão, é mais uma componente da sinistralidade e isso vai ser considerado no cálculo de reajuste anual das prestações ou no preço dos planos ofertados ao mercado. Portanto, o R$ 1,2 bilhão do ressarcimento representa, em termos práticos, um terceiro pagamento feito pelo beneficiário para o sistema de saúde.

Quem defende o ressarcimento dirá que o contratante do plano pode deduzir as despesas das prestações no Imposto de Renda. Por essa lógica, o Estado teria promovido uma renúncia fiscal ao deixar de arrecadar os valores pagos aos planos. Por isso, a cobrança pelo atendimento no sistema público seria justa.

Segundo o Dr. Ricardo Lodi, um dos mais respeitados especialistas em Direito Tributário do País, o pagamento do Imposto de Renda incide, por óbvio, sobre a renda, calculado sobre o ganho financeiro e patrimonial do contribuinte. Quando o indivíduo ou a empresa deduzem as despesas do plano, portanto, esse valor foi extraído da renda do contribuinte. Dito de outra forma: o contribuinte perdeu renda ao pagar a mensalidade do plano e terá uma base menor de aferição de renda. Quem deseja compreender mais a fundo o tema, basta assistir a essa palestra do Dr. Lodi em evento realizado pelo IESS.

Em resumo, a dedutibilidade das despesas com o plano de saúde, por pessoas físicas e jurídicas, não configura uma renúncia fiscal do Estado, pois está legitimamente amparada em direitos fundamentais previstos na Constituição. Por exemplo, o direito ao mínimo existencial, que por si só já torna legítima a dedução no imposto de renda da perda financeira do contribuinte para ter assistência à saúde. A lógica de renúncia fiscal para suportar o ressarcimento ao SUS não se sustenta, portanto.

Há também a crítica de que muitas operadoras “empurram” o atendimento ao SUS como forma de evitar as despesas. Tal argumento não parece fazer o menor sentido. Primeiro, porque o arcabouço regulatório da ANS é bastante explícito e rigoroso a respeito das coberturas previstas e prazos de atendimento e punições por descumprimentos. Se uma operadora negar a cobertura de atendimento, corre o sério risco de perder a autorização de comercialização de seus produtos. Nesse ponto, o órgão regulador tem até sido bastante rígido e trimestralmente divulga os ciclos de suspensão de comercialização. A negativa de cobertura só pode ser feita, nesse contexto, para procedimentos não previstos no rol de cobertura ou por períodos de carência.

Em caso extremo, se alguma empresa agir de forma inadequada, ainda assim usar o ressarcimento ao SUS não nos parece a forma mais adequada de disciplinar o mercado. Pelo contrário, pois se o valor cobrado pelo SUS para um procedimento for inferior ao da rede particular, uma operadora mal-intencionada terá um incentivo financeiro para as práticas ilegais. 

O ressarcimento ao SUS se estabelece, pelo exposto, em uma divisão do sistema de saúde, entre público e privado, como se pudesse ser optativo ao beneficiário. Além de não ser e nem estar previsto com esse formato na Constituição, é perverso, ao cobrar três vezes do contribuinte. 

 

*Superintendente Executivo do IESS