Divulgamos ontem o destaque na área de “Economia&Gestão” do 19º Boletim Científico que trata as consequências das repetidas e prolongadas hospitalizações de idosos no bem-estar do paciente e no sistema de saúde. Hoje, falaremos mais sobre o destaque da seção “Saúde&Tecnologia” da edição recente do boletim que também aborda um tema semelhante: os excessos na saúde.
O trabalho “Evidence for overuse of medical services around the world” (Evidência de uso excessivo de serviços médicos em todo o mundo) analisa os problemas e consequências destes excessos por meio de cinco revisões sistemáticas, pesquisa e revisão de literatura científica. O estudo aponta que o uso excessivo de serviços médicos é generalizado em todo o mundo e há fortes indícios de continuará a aumentar. Este abuso aparece para diversos setores e vão desde o uso de medicamentos até exames como ultrassonografia, endoscopia, colonoscopia e outros. Segundo o artigo, o consumo global de antibióticos cresceu 36% entre 2000 e 2010, principalmente nas economias emergentes como Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul (que representaram 76% desse aumento). Só na Coréia do Sul, o abuso de realizações de ultrassonografia causou aumento de 15 vezes na incidência de câncer de tireoide.
Só nos EUA, as estimativas mais conservadoras na medição direta de serviços individuais apontam que de 6% a 8% do total de gastos com cuidados de saúde são com cuidados desnecessários. Já os estudos de variação geográfica indicam que a proporção de gastos do Medicare (sistema de seguros de saúde gerido pelo governo para a população idosa) com o uso excessivo é mais próxima de 29%. Em 2013, US$ 270 bilhões em cuidados poderiam ser definidos como uso excessivo nos EUA. O trabalho aponta ainda que, em todo o mundo, o uso excessivo de serviços saúde pode responder por 89% dos atendimentos em todo o mundo.
Ou seja, além de gerar prejuízos e ameaçar a sustentabilidade dos setores de saúde, esses excessos podem causar danos e complicações aos pacientes (física, psicológica e financeiramente). Sendo assim, há um grande desafio pela frente: identificar e medir o uso excessivo com evidências sólidas para diferentes populações e serviços. Assim, existe uma necessidade clara de uma agenda de pesquisa para desenvolver essas evidências e, portanto, os médicos e os decisores políticos devem entender o uso excessivo e agir para reduzir isto.
Esta semana, a ANS deu início a nova fase do projeto “Idoso bem cuidado”. Um iniciativa que temos acompanhado desde o início e que, como o próprio nome já indica, busca aprimorar o cuidado à saúde dos idosos no País. A intenção é boa, mas a ideia de como colocá-la em prática é ainda melhor.
O modelo proposto é dividido em cinco eixos: acolhimento, núcleo integrado de cuidado, ambulatório geriátrico, cuidados complexos de curta duração e cuidados longa duração. Sendo que o foco do programa está nos três primeiros, ou seja, no cuidado básico e prevenção. O que deve proporcionar mais qualidade de vida e, ao mesmo tempo, menos necessidade de recorrer a recursos mais complexos, como internações e cirurgias.
Para tanto, o programa busca coordenar os atendimentos prestados aos idosos em todos os elos da cadeia de saúde, evitando, por exemplo, redundâncias de exames, interrupções de tratamentos e complicações geradas por falta de articulação entre diferentes profissionais. O ponto alto, contudo, é a mudança de modelo de remuneração dos prestadores de serviço atualmente empregado, conhecido como fee-for-service. Modelo que, como já apontamos aqui no Blog, está na base de uma série de imperfeições do sistema de saúde suplementar atual. Fundamentalmente por focar em quantidade de serviços prestados ao invés de qualidade, performance e desfecho clínico.
A ANS irá monitorar e mensurar, ao longo de 12 meses, os resultados de 64 propostas de Operadoras de planos de saúde e prestadores de serviço. Os modelos que apresentarem os melhores resultados, então, poderão ser adotados pelo setor, auxiliando em sua sustentabilidade.
Além do aperfeiçoamento do setor e, mais importante, da qualidade do atendimento aos pacientes, a iniciativa também pode ajudar a equacionar outro desafio cada vez mais próximo no horizonte: o fim do bônus demográfico. De acordo com dados do TD 57 – “Atualização das projeções para a saúde suplementar de gastos com saúde: envelhecimento populacional e os desafios para o sistema de saúde brasileiro” – até 2030, os planos de saúde devem contar com 59,4 milhões de beneficiários e os gastos assistenciais das operadoras estariam próximos dos R$ 400 bilhões, sendo R$ 260 bilhões deles apenas com internações (leia mais sobre aumento dos gastos assistenciais).
Os números, como também já alertamos aqui, destacam a necessidade de redimensionar a rede de atendimento e desenvolver ações focadas em promoção da saúde. Exatamente o que o “Idoso bem cuidado” busca fazer. O programa vem em ótima hora. Resta acompanharmos e torcer por bons resultados.