Impactos da crise na saúde
Entramos no quarto trimestre da crise que eclodiu com a quebra do Lemahn Brothers. Três trimestres decorridos é tempo suficiente para avaliar seus impactos na saúde.
Estimulados pela valorização dos imóveis os bancos americanos não regulamentados concederam crédito excessivo, inclusive a tomadores sem credibilidade. A exuberância financeira terminou quando o preço dos imóveis começou a cair e os mutuários ficaram inadimplentes o que arrastou bancos à falência. O crédito cessou abruptamente paralisando o comércio e a atividade econômica nos Estados Unidos e no mundo.
A escassez de crédito e a queda do comércio fizeram a crise atravessar o Atlântico, com força maior do que uma marolinha. A crise afetou a atividade econômica, o investimento, os fluxos capitais, as exportações, o emprego, os salários, a arrecadação tributária, a política econômica, enfim, a vida das pessoas.
A atividade econômica sofreu uma freada brusca. A economia mudou de patamar, embora venha dando sinais de alguma recuperação nos últimos meses.
O número de beneficiários de planos de saúde que crescia a 1,6% ao trimestre passou a crescer mais modestamente no último de 2008 e 0,3% no primeiro de 2009, o que também afeta o ritmo de crescimento das receitas das operadoras.
Crise é ameaça concreta de encolhimento de negócios, de perdas financeiras, de redução de horas trabalhadas, empregos e remuneração. Mas é também momento de oportunidades.
A crise traz ameaças para a saúde das pessoas - maior ansiedade e stress que reduzem a capacidade imunológica do organismo, reanimam doenças latentes e aumentam as chances de depressão, problemas mentais e cardíacos. Definitivamente, crise não é amiga da saúde.
Estudos empíricos que comprovem esses efeitos são escassos. Mas o British Medical Journal (maio/2009) reporta casos ilustrativos: aumento de suicídios na Coréia na crise do final dos anos 1990; aumento da mortalidade na Rússia, após o colapso da União Soviética e na crise de 1998; mortalidade de desempregados 20 a 25% acima do que a de ocupados com mesma posição sócio-econômica na década de 70 na Inglaterra. As perdas de remuneração deterioram o padrão da alimentação e impedem o acesso aos serviços de diagnóstico e terapia, às medicações prescritas, ao aconselhamento e às dietas saudáveis.
As crises trazem consigo aspectos conflitantes. Aumenta a necessidade por serviços de diagnóstico e terapia, mas contraem-se as remunerações, o que dilui ou anula a maior procura. Os maiores riscos aumentam as aspirações por possuir plano de saúde, mas escasseiam as condições econômicas para viabilizá-las. O crescimento das receitas das operadoras perde ímpeto enquanto as despesas que elas financiam tendem a aumentar.
Que resultado de pode se pode esperar desse jogo de contrários que se instala nas crises? Poderão as pessoas acomodar maiores despesas com saúde – diretas ou com manutenção de planos - reduzindo outras despesas?
As informações consolidadas demoram a ficar disponíveis. No entanto, operadoras comentam o expressivo aumento de despesas assistenciais, o que é compatível com o relato de aumento da procura por serviços hospitalares, especialmente nos grandes centros urbanos. No interior, prestadores relatam o oposto – a contração das rendas reduziu a demanda sobre de serviços assistenciais. É que a maior concentração de beneficiários está nas grandes aglomerações urbanas.
Nessas áreas, o plano de saúde garante assistência aos beneficiários mesmo quando perdem o emprego e ficam mais vulneráveis a doenças. Isso porque o desempregado pode manter o plano por pelo menos seis meses. Perdido o emprego ou diante da ameaça de perdê-lo, o beneficiário tende a utilizar o plano para exames de rotina ou antecipação de procedimentos seletivos. Esse ponto ilustra a importância que as operadoras têm para garantir a assistência médica de seus beneficiários.
O uso "preventivo" do plano é uma atitude individual racional. Porém, adotada de forma generalizada, aumenta as despesas das operadoras que se vêem forçadas a demandar reajustes das mensalidades. As empresas contratantes, pressionadas pela redução das rendas, resistem mais fortemente a essas solicitações.
Instala-se um cabo de guerra para acomodar receitas menores com despesas aumentadas. Entender os problemas de cada elo da cadeia é passo essencial nas negociações para que se preserve o equilíbrio econômico-financeiro de todos. O funcionamento eficiente da assistência médica depende da manutenção desse equilíbrio. Como bem observou Michael Porter, o deslocamento de custos entre os elos da cadeia não resolve problema algum, pois é jogo de soma zero. O que ele propõe centra a competição na criação de valor para a pessoa, o que requer equilíbrio e mais cooperação entre os elos. Desequilíbrio em algum elo acarretará ineficiências e quem sofrerá as com conseqüências será o indivíduo.
Autor: José Cechin - Superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e ex-Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social.