Indexar, um mau negócio
Os planos de saúde, como são apresentados hoje no País, suscitam questionamentos de todas as partes. O beneficiário acha que paga muito e, muitas vezes, não é atendido como gostaria. As operadoras trabalham com margens apertadas e estão sempre buscando soluções para fechar as contas. Os prestadores de serviço, por sua vez, se sentem mal remunerados. O problema existe, e deve-se pensar alternativas para que todas as pontas se sintam atendidas.
Uma proposta que surgiu nos últimos tempos sugere repassar aos prestadores de serviço o reajuste autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) às operadoras. A ideia é muito arriscada. Caso isso aconteça, o custo das operadoras será sistematicamente aumentado, pois este varia com o preço pago pelo serviço e também com a frequência de utilização.
Os prestadores de serviço, ao contrário das operadoras de planos de saúde, não têm seus custos afetados pela variação de frequência de utilização dos serviços de assistência médica por parte dos usuários de planos, já que cobram por procedimento realizado. Para o prestador importa apenas a variação de custo dos insumos utilizados, pois quanto maior a frequência, maior a sua receita.
As operadoras de planos de saúde, por sua vez, pagam por uma variedade enorme de procedimentos com características distintas ente si. Nos exames de diagnóstico, por exemplo, verificam-se ganhos de produtividade pela incorporação de novas tecnologias e pelo aumento da escala com a consolidação do setor. Nos exames tradicionais, observam-se o barateamento do preço e aumento na frequência, ao mesmo tempo que se incorporam exames mais complexos.
Nas internações, os ganhos de produtividade advindos da incorporação tecnológica geram uma conta médica mais cara. Um estudo realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) sobre o tratamento das colelitíases sintomáticas (vesícula biliar) mostra claramente esse fenômeno. Os dois procedimentos mais utilizados no Brasil para o tratamento dessa doença são a colecistectomia convencional, ou a cirurgia tradicional, em que é feito o corte no abdome do paciente, e a colecistectomia feita por videolaparoscopia, realizada por meio de uma incisão minúscula na barriga para a inserção da câmera e dos instrumentos.
O resultado do estudo mostrou que, se por um lado existe uma melhoria na qualidade de vida do paciente que se submete à cirurgia por videolaparoscopia, por outro, o custo nessa cirurgia aumenta em cerca de 32%.
Nas consultas, a experiência do profissional tem impacto na resolubilidade, mas dificilmente na quantidade de consultas realizadas. Ao adquirir experiência, o médico produz melhores diagnósticos, mas é pouco provável que reduza o tempo de realização de cada consulta.
A introdução de tecnologias no consultório também pode diversificar a quantidade de procedimentos realizados e aumentar a remuneração do médico, como ocorre na consulta oftalmológica ou nos procedimentos ambulatoriais em ginecologia e dermatologia.
O VCMH (Variação de Custo Médico Hospitalar), índice levantado pelo IESS mensalmente há algum tempo, mostra que a variação dos custos das operadoras para internação e consulta normalmente supera a variação de preço, em razão do aumento na frequência de uso.
O reajuste anual de planos individuais é delimitado pela ANS, que o estabelece com base na média dos reajustes praticados em planos coletivos, pois esses valores não são regulados. As operadoras não têm influência sobre o reajuste do plano individual, por resultar de uma média setorial. Se o aumento dos valores pagos aos prestadores estivesse vinculado ao reajuste máximo que a ANS determina, o efeito dessa indexação seria um aumento de custo referente à variação de frequência.
A operadora estaria sempre sendo reajustada em condições inferiores à variação do seu custo. Ou seja, se for adiante a ideia da indexação, os custos tendem a se multiplicar. Uma simulação mostra o que aconteceria se fosse repassado aos prestadores o mesmo índice de reajuste autorizado pela ANS para as mensalidades dos planos médicos, num plano com mensalidade inicial de R$ 150: sendo 80% o custo assistencial (R$ 120) repassado aos prestadores; 15% o custo administrativo; e o restante, 5%, resultado da operação.
Assumindo uma variação da frequência de uso por parte dos beneficiários de 3% ao ano e um reajuste de 7% ao ano nas mensalidades, repassado integralmente aos prestadores, os custos das operadoras cresceriam 10,21%.
Portanto, enquanto o custo assistencial inicial representava 80% da mensalidade (taxa de sinistralidade), após oito anos somente a despesa assistencial consumiria toda a mensalidade dos beneficiários. Ampliando a análise, ao observar a despesa total (despesa assistencial + despesa administrativa), em apenas três anos essa carteira passaria a apresentar resultado negativo e caminharia para a insolvência.
Portanto, é preciso refletir bastante sobre repassar aos prestadores o reajuste da ANS às operadoras. O reajuste anual das operadoras tem de refletir as variações nos preços dos procedimentos e na frequência de uso, bem como os efeitos da introdução de novas tecnologias e ampliação do rol de coberturas.
Porém, operadoras e prestadores não podem depender exclusivamente de reajustes para recompor margens. Devem, sobretudo, buscar novas formas de gestão e novos processos para aumentar a eficiência em seus negócios.
A relação entre prestadores de serviço e operadoras de planos de saúde se forma no mercado. Se o negócio é competitivo, não há porque o governo intervir ou regular essa relação. Ao regulador compete incentivar a concorrência, novas práticas de gestão e a busca por qualidade e eficiência.
Autor: José Cechin - Superintendente Executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e ex-Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social.