A doença do Brasil
Ao ter um plano de saúde, o cidadão não abre mão do seu direito de usar o sistema público de saúde, um dever constitucional do Estado.
A questão do ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde), pagamento dos planos de saúde ao governo sobre os gastos que seus beneficiários geram quando fazem uso de hospitais da rede pública, é assunto sério e deve ser amplamente discutido com o cidadão comum.
Muitos são os pontos conflitantes. O primeiro deles diz respeito ao direito do cidadão, pagador de impostos, à saúde pública. Está lá, registrado na Constituição que esse é um "direito de todos e dever do Estado", que deve provê-la por meio do "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Portanto, ao ter um plano de saúde, o cidadão não abre mão do seu direito de usar o sistema público de saúde. Ainda assim, as operadoras, desde 2000, vêm pagando o ressarcimento ao SUS, apesar de o questionarem na Justiça, pois o assunto ainda não foi definitivamente julgado pelo STF.
Diferentemente do que se imagina, as operadoras de saúde não lucram com o atendimento feito pelo SUS a seus beneficiários. O cálculo das mensalidades dos planos, hoje, não contempla o uso, pelos beneficiários, da rede pública. Logo, caso o Supremo aprove o ressarcimento, haverá, inevitavelmente, um aumento no valor dos planos. Ou seja, o beneficiário passará a pagar duas vezes pelo mesmo atendimento na rede do SUS: uma via tributos e outra via mensalidade de seu plano.
O governo, sim, ganha com o ressarcimento, pois cobra das operadoras valores 60% maiores, em média, aos que o SUS paga a seus prestadores. Há também quem defenda o ressarcimento ao alegar que existe a renúncia fiscal do governo, devido à dedutibilidade tributária dos gastos com saúde incorridos pelos indivíduos e pelas empresas.
Porém, não cabe alegar renúncia daquilo que é essencialmente dedutível. As despesas com saúde dos indivíduos são dedutíveis de Imposto de Renda por serem essenciais e pelo fato de o Estado ser incapaz de lhes prover assistência à saúde de qualidade. Já as empresas, estas dependem essencialmente de seus recursos humanos para poderem funcionar e gerar riqueza.
O interesse pelos R$ 651,9 milhões referentes ao período de 2000-2006, que está em cobrança (a ANS ainda calcula os valores devidos de 2007 em diante), tem a ver com a conjuntura econômica nacional, necessitando de maior austeridade nos gastos do governo. No entanto, se fosse pago tudo o que é cobrado pelo governo às operadoras, ainda assim o valor arrecadado representaria apenas 0,13% de todo o gasto público com saúde no mesmo período.
Além disso, o que é gasto para levantar os valores do ressarcimento certamente não compensa o que é recolhido. Contudo, o governo fala em ampliação do ressarcimento. Centenas de outros pontos devem ser discutidos, sempre com o conhecimento da população, pois a saúde é um direito de todos.
Portanto, enquanto não eliminarmos "réus" e "culpados" em francas negociações, que visem, acima de tudo, o bem-estar da população, o país permanecerá doente.
Autor: Luiz Augusto Carneiro - Superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e professor doutor da Faculdade de Economia e Administração da USP.