Nos últimos dias, duas reportagens sobre cesáreas nos chamaram atenção. A primeira, do jornal Folha de S.Paulo, aponta que o Brasil é o País com a segunda maior taxa desse procedimento no mundo e destaca que um projeto de Lei da deputada Janaína Paschoal (PSL) propõem que no SUS a gestante possa optar pela cesárea, inclusive para parto sem indicação clínica, como já acontece na saúde suplementar.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que apenas 15% dos partos sejam feitos por cesárea. Contudo, os partos desse tipo respondem por 55% do total no País. Apenas a República Dominicana tem uma proporção maior, de 56,4% dos partos. Os números detalhados constam na “Análise da assistência à saúde da mulher na saúde suplementar brasileira entre 2011 e 2017”, que publicamos recentemente.
A segunda reportagem, dessa vez da Ag. Brasil, indica que esses números estão fortemente ligados ao medo que as brasileiras têm do parto normal e analisa uma pesquisa realizada com 7 mil mulheres (50% gestantes) pelo portal Trocando fraldas. De acordo com o levantamento, 61% das mulheres têm medo de dar à luz por meio de parto normal.
Além disso, a pesquisa aponta que em 45% dos casos é o desejo da própria mulher que determina a cesárea, apenas 17% das vezes ela ocorre por determinação médica e 34% dos procedimentos ocorrem por condições do sistema de saúde, como a estrutura ou a falta dela na maternidade.
De modo geral, tanto o estudo quanto as reportagens mostram o que já temos indicado: uma necessidade premente de campanhas de conscientização sobre os riscos e vantagens de cada procedimento.
Vale lembrar, o risco de morte materna pós-parto é três vezes maior em cesarianas do que em outras modalidades de parto, como apontam alguns estudos já analisados aqui no blog, principalmente em decorrência de hemorragia e complicações na anestesia. Por outro lado, esse procedimento é indicado quando se constata, por exemplo, que o cordão umbilical está enrolado no pescoço do bebê e diversos outros partos de risco.
Nós continuamos defendendo que cada caso deve ser analisado separadamente e a decisão tem que ser tomada em conjunto pela paciente e seu médico de confiança.
Ah, para quem quiser entender melhor o medo justificado que diversas mulheres têm dos partos normais, recomendamos o documentário “Parto, da violência obstétrica às boas práticas e Cesárea, mitos e riscos”, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Quando tratamos de saúde, descobrimos, infelizmente, que erros acontecem, assim como em qualquer outra área. Já destacamos, aqui no Blog, o estudo "Erros acontecem: A força da transparência no enfrentamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados", apontando que a cada três minutos, mais de dois brasileiros (2,47, exatamente) morrem em um hospital do sistema público ou privado em consequência de um evento adverso.
No mesmo estudo, apontamos que a partir de 2008, o CMS – órgão responsável pela administração do Medicare e Medicaid nos Estados Unidos – vetou o pagamento aos prestadores de serviço de saúde onde ocorreram eventos adversos que levaram a certas condições após a admissão na internação. As condições adversas que o CMS verificou nesses hospitais são: lesão por pressão, quedas e traumas, infecção associada à sonda vesical e infecção de corrente sanguínea associada à cateter venoso central.
Um levantamento recente, aferido pelo Castlight Health’s Analysis com base nos dados do The Leapfrog Group – instituição que já apresentamos aqui no Blog – demonstra que essa medida está gerando resultados. Apesar de apenas 35% dos mais de 1.800 hospitais avaliados terem alcançado a meta de nenhum caso de lesão por pressão em decorrência de eventos adversos, os números apontam uma redução entre 16% e 20% no total dos casos adquiridos após a entrada em hospital entre 2013 e 2016.
Dados do The Leapfrog Group ainda indicam que casos de iatrogenia acontecem em uma a cada seis admissões hospitalares e matam pelo menos 500 pessoas por dia nos Estados Unidos.
Os resultados nos mostram, claramente, duas coisas. Primeiro, que precisamos urgentemente mudar nosso modelo de remuneração por outro que permita punir desperdícios, ao invés de remunerá-los; não só para reduzirmos custos desnecessários, mas também para servir de ferramenta de incentivo à melhora na qualidade assistencial. E segundo, que já passou da hora de criarmos ferramentas de coleta, análise e divulgação de dados de qualidade assistencial e segurança do paciente. Enquanto não dermos esses passos, vamos continuar a operar no escuro.